Minhas mãos tremiam. Eu estava lá , sentada naquele bendito chafariz. As horas teimavam em não mudar, e isso me irritava profundamente. Eu estava com o mesmo tênis de quando o conheci, era o meu tênis mais confortável e também, me trazia sorte. Não que eu acreditasse muito em sorte, mas sempre bom ter uma fézinha.

Fazia um frio de 11 graus nessa maldita cidadezinha. A ponta dos meus dedos e do meu nariz estavam congeladas. O vento batia no meu cabelo, passava por meu pescoço e me fazia me arrepender cada vez mais de ter vindo aqui hoje. Passei de música, nada me distraia. Olhei a minha volta, as pessoas todas agasalhadas, andando rápido pra chegar em casa, e eu aqui, sentada feito uma idiota. Me levantei, fui até a padaria, comprei um chocolate quente e tomei a metade de uma vez. Senti minha garganta e minha boca queimarem e meus olhos lacrimejarem. ''Maldita pressa'' pensei. A atendente soltou um risinho, e eu olhei pra cara dela e dei um sorrisinho irônico. Voltei pra rua, o frio fez meus olhos arderem.

Lembrei do que havia acontecido a umas três semanas. Nesse mesmo lugar. Eram 6 da tarde, eu corria pra não perder o onibus. Estava olhando para o meu mp3, escolhendo a m sica, quando senti um liquido quente escorrer na minha camiseta (que por sinal, era nova). Levantei o dedo pra xingar o idiota que havia derrubado chocolate quente em mim, por acaso ele não via por onde andava? Foi quando meus olhos encontraram os olhos dele. Meus argumentos desapareceram e eu passei de tigresa selvagem para um filhote de gato. Aquele cara, alto, com cabelos e olhos da mesma cor do chocolate quente que estava na minha blusa, que estava maravilhosamente lindo numa camiseta verde e segurando um copo de chocolate quente, me fez perder a fala e o controle dos meus movimentos. Do mesmo jeito que acontece quando você toma 7 copos puros de vodka (aquele momento, antes de você começar a chorar e vomitar). Acho que ficamos uns 30 segundos nos encarando.

Provavelmente ele me estava pensando que eu era algum tipo de adolescente retardada, usando uma camiseta, jeans e um tenis de cada modelo (percebi quando ja tava no carro).

Ele me olhou de cima baixo, e eu me senti menor ainda. Ele devia ter 1,90 e eu com 1,60 me senti uma criança. Depois que percebemos que os dois estavam a mais de 30 segundos parados na frente de um chafariz se encarando enquanto o chocolate terminava de escorrer pela minha blusa e pelas bordas do copo, passando pelos dedos dele, ele decidiu falar algo.

''Ã , desculpa, eu estava meio distraído'', ele disse, e eu resumi que eu devia ter sido atropelada ou coisa assim. Aquele cara tinha a voz mais perfeita que eu já tinha ouvido na minha vida, só podia ser um anjo! Pisquei duas vezes, e continuei muda. Ele sorriu meio de lado, e me conduziu até a padaria, onde ele tentou limpar minha camiseta, coisa que não funcionou. Ele mandou eu tirar aquela blusa e me emprestou a dele. Anjo, repeti mentalmente. Ficamos conversando por mais uma hora, tinhamos muitas coisas em comum. Trocamos telefones e pegamos nosso rumo.
Semana passada recebi uma ligação dele, e combinei de devolver a camiseta (coisa que eu não queria, mas não seria educado guardá-la).

Mas, aparentemente, ele resolveu não aparecer. Ninguém pode se atrasar tanto! Tá, são 15 minutos de atraso, mas eu considero muita coisa. Eu devia saber, anjos não existem. Olhei pro chocolate quente, que de quente já não tinha mais nada, fiquei extremamente enojada, levantei com raiva pra jogar o resto ‘’daquilo’’ no lixo. Fui andando, e olhando para os lados, pra achar a lixeira mais próxima. Foi quando senti algo grande esbarrando em mim, e o chocolate escorrendo entre meus dedos. A ''coisa'' se virou, e eu já estava começando a me desculpar, quando eu vi. Os mesmos olhos cor de chocolate. Os mesmos 30 segundos. ''Desculpa...'' comecei a sussurrar. Ele colocou o dedo indicador, fazendo o gesto de silencio, me puxou pra junto dele, fazendo o copo de chocolate cair da minha mão e me beijou magicamente. Fiquei paralisada por 2 segundos, e retribui. É, talvez anjos existam afinal...